26 e 27 - BATISTAS NO BRASIL

26 e 27 - BATISTAS NO BRASIL
As duas vias

2. BATISTAS GERAIS: SUA ORIGEM

Elizabeth I reinou na Inglaterra de 1558 a 1603. Durante seu reinado viveu Robert Browne (c. 1550-1633), líder puritano apontado como o primeiro dissidente da igreja anglicana. Embora tenha tido vida algo controvertida, a partir de 1582, com a publicação do seu livro “Um tratado de Reforma sem esperar por nada”, Browne deu início a uma congregação separatista, liderando um grupo que passou a ser conhecido como brownistas. Tendo estabelecido as linhas mestras do Anglicanismo seguidas até hoje, Elizabeth foi sucedida por James I, que na ocasião também era rei da Escócia, onde surgiu o Presbiterianismo com John Knox. Com a troca de titular da coroa britânica, e mesmo dos Tudors pelos Stuarts, grande foi a expectativa dos puritanos de que a reforma protestante assumisse no reino uma nova direção, mais calvinista e de acordo com os ideais do grupo. No entanto, o rei chegou afirmando que “sem bispo não há rei”, já que havia sentido a dificuldade de reinar convivendo com uma igreja de liderança mais diversificada e forte. Por isso, a Petição Milenar, preparada por mil líderes puritanos, foi atendida apenas na concordância para uma nova tradução bíblica, a famosa “King James’ Version”.
Houve então aumento no número de congregações independentes no separatismo inglês, bem como uma maior perseguição religiosa dos dissidentes. Um dos grupos que se formou foi perseguido e fugiu para a Holanda; era comandado pelo ministro anglicano John Smyth e apoiado por um leigo chamado Thomas Helwys que, na companhia de cerca de cinquenta pessoas, foi para Amsterdã, na Holanda. A história desse grupo é cheia de detalhes e vai ser aqui resumida.
Na Holanda, graças ao relacionamento de Smyth com os menonitas da Igreja Waterlander de Amsterdã, principalmente com um rico homem de negócios chamado Jan Munter, o grupo passou a se reunir em parte das amplas instalações de uma padaria de sua propriedade. Estava Smyth buscando uma igreja ideal, neotestamentária e apostólica. Em 1609, com base bíblica, chegou ele à conclusão de que uma igreja como buscava deveria ser formada de pessoas adultas que tivessem ouvido a mensagem do evangelho, aceitado o senhorio de Cristo e fossem batizados. Todos os integrantes da congregação, inclusive a liderança, eram anglicanos que haviam sido batizados enquanto crianças nas suas paróquias de origem, conforme costume católico mantido pela Igreja da Inglaterra. Resolveu então Smyth recusar aquele batismo infantil e rebatizar todos os membros, por aspersão, começando por seu autobatismo, já que não havia outro ministro que pudesse praticar o ato. Formou-se então a “Congregação da Padaria”, conforme é hoje conhecida, o primeiro embrião batista a surgir no mundo. O autobatismo de Smyth rendeu-lhe muitas críticas entre seus colegas ministros na cidade, já que o grupo não era o único que havia buscado abrigo em Amsterdã. Após reflexão, Smyth pediu perdão a Deus e à congregação, arrependendo-se de ter organizado a igreja, reconhecendo a Igreja Menonita Waterlander como uma igreja verdadeira, já organizada e estruturada na cidade. Tentou então convencer todos os membros da congregação a segui-lo no pedido de aceitação como membros de Waterlander. A maioria concordou com seu pastor, mas Thomas Helwys, seu apoiador, não se convenceu de que houvessem errado, dizendo que o trabalho deveria continuar e ser levado de volta à Inglaterra.
Dez foram os integrantes do grupo que manteve a fidelidade aos ideais batistas que começavam a ser criados, sendo conhecidos os nomes de John Murton, Thomas Helwys, William Pygott e Thomas Seamer. O grupo maior, que abandonou a linha batista, acompanhou Smyth e continuou por muitos anos reunindo-se na padaria de Munter. Após um longo processo que durou alguns anos, eles foram aceitos como integrantes da Igreja Menonita.
O grupo menor precisou organizar suas reuniões em outro lugar (talvez na residência de algum deles), até que, por volta de 1611, seus integrantes voltaram para a Inglaterra, organizando em 1612 a Primeira Igreja Batista em solo inglês: o embrião holandês foi transplantado de volta ao solo de origem. O local escolhido para as reuniões da primeira igreja foi Spitalfields, nos arredores de Londres daquela época. A igreja deu origem aos chamados “batistas gerais”, já que seguiam uma orientação arminiana, talvez recebida enquanto esteve na Holanda, já que Armínio era um teólogo holandês influente entre os menonitas.  
Thomas Helwys (1550-1616) foi, sem dúvida, um dos líderes batistas mais importantes entre os pioneiros do trabalho. Fiel companheiro de John Smyth até que a “congregação da padaria” se constituísse como nosso embrião batista na Holanda, com a “crise de consciência religiosa” de Smyth e sua adesão ao menonitas juntamente com a maioria da congregação, dependeu de Helwys e de sua firme liderança diante dos demais a manutenção da fé batista incipiente, não somente na permanência por mais algum tempo em Amsterdam, mas também na volta para a Inglaterra.
Ao voltar para a Inglaterra e continuar a enfrentar a perseguição religiosa sob o rei James I, Helwys escreveu e publicou “Uma Curta Declaração do Mistério da Iniquidade”. “Com efeito, o mistério da iniquidade já opera e aguarda somente que seja afastado aquele que agora o detém”, afirma o texto de II Tessalonicenses 2.7. “O mistério da iniquidade” é interpretado naquele contexto como “um poder operante de Satanás”, identificados por Helwys na pompa, no poder e na política das Igrejas Católica e Anglicana, que conspiravam com os governos para negar a liberdade de consciência. Foi o primeiro tratado escrito na Inglaterra, e um dos primeiros no mundo, a apelar por completa liberdade religiosa para todos os povos. Helwys declara: “Porque a religião dos homens com Deus é entre Deus e eles mesmos. O rei não deve responder por isso. Nem deve o rei ser juiz entre Deus e o homem. Sejam eles heréticos, judeus, turcos, ou o que for, não pertence ao poder terreno puni-los de forma nenhuma”. Uma cópia do livro foi encaminhada ao rei James I, que mandou prender Helwys em Newsgate, onde morreu por volta de 1616.
John Murton, o sucessor de Helwys na liderança da igreja, tinha sido um comerciante de peles em Gainsborough-on-Trent, tornando-se um seguidor de John Smyth enquanto na Holanda, e retornando à Inglaterra com Helwys. No período em que o líder esteve na prisão, a congregação deve ter sofrido perseguição, tendo que passar algum tempo, talvez, na clandestinidade.
Por volta de 1624, foi levantada por Elias Tookey e alguns membros da igreja a questão da magistratura. Pessoas que trabalhavam para o governo e eventualmente portavam armas por causa de sua função eram consideradas corruptas, com uma influência anabatista no grupo. A questão da magistratura foi resolvida com a manutenção dos seus integrantes na igreja e exclusão de Elias Tookey e outras dezesseis pessoas que o seguiam.
John Murton foi o autor de “Perseguição por religião julgada e condenada, em um discurso entre um anticristão e um cristão”, de “Uma descrição do que Deus tem predestinado concernente ao homem” e de “Uma súplica muito humilde de muitos dos leais súditos dos reis, que são perseguidos somente por diferirem em religião”. Apesar da feroz perseguição, a congregação contava com cerca de cento e cinquenta membros por volta da metade da década de 1620, ocasião na qual os dezesseis membros seguidores de Tookey foram excluídos. A igreja mantinha correspondência com os menonitas de Amsterdam, conforme cartas de 1624 e 1625.  Na mesma década de 1620, houve uma tentativa de volta ao batismo infantil, tentando agradar a uma parte da congregação. A maioria, no entanto, continuou firme na defesa do batismo adulto do convertido, o qual foi mantido.
As Igrejas Batistas decorrentes do trabalho inicial de Helwys e Murton passaram a ser chamadas de “Batistas Gerais”, por sua tônica fortemente anticalvinista. Pregavam uma mensagem de salvação universal arminiana ou “de livre arbítrio”, teologia desenvolvida por Jacobus Arminius (1560-1609). O arminianismo entende que o homem tem livre-arbítrio, pelo qual pode crer e aceitar a Cristo livremente, para depois ser regenerado; crê ainda que Deus escolheu aqueles que ele, pela sua presciência, viu que iriam responder com fé à dádiva do evangelho; seu ensino diz que Jesus morreu para tornar possível a salvação a todos os homens; a graça, segundo o arminianismo, pode ser resistida por aqueles que não creem; crentes nascidos de novo podem vir a cair da fé e a perder a salvação. A salvação estendida a todos os homens em geral é o item que define o nome de batistas gerais. Essas igrejas encontraram muita aceitação entre as classes mais pobres de Londres e nas áreas rurais da Inglaterra. Os Batistas Gerais aceitavam a salvação por boas obras e a separação entre igreja e estado. Incorporaram a estrutura administrativa da igreja formada de Anciãos (ou pastores) e Diáconos, como defendia inicialmente John Smyth.
Até a década de 1640, as congregações batistas gerais se espalharam através da Inglaterra e, em 1641, uma reunião geral foi realizada em Whitechapel, Londres, na busca de uma organização geral, semelhante à atual ideia de convenção. São estimadas pelos historiadores cerca de cinquenta congregações ativas por volta de 1650; eram congregações mais abertas e menos estruturadas do que outros grupos independentes. Os batistas gerais sofreram por causa de suas características, já que seus pregadores itinerantes eram considerados criadores de confusão por muitas autoridades civis e eclesiásticas através da Inglaterra, sendo, porém, muito populares entre o povo comum.

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ÍNDICE DOS FASCÍCULOS

Introdução 1)    16 séculos de Igreja Cristã 2)    Anglicanismo: a Igreja do Rei 3)    Puritanos, Separatistas, Batistas 4)    A “C...