Como começa a história da
Igreja? Iniciando pela Igreja Primitiva do século I, vamos abordar quinze
séculos de história do evangelho apostólico que, aos poucos, vai deixando a
pureza inicial e se transformando em “um outro evangelho”, até o advento da
Reforma Protestante no século XVI. Nós, batistas, surgimos como igreja no
século XVII e aqui estamos, Igreja Batista Central de Campinas, estado de São
Paulo, Brasil, no século XXI. Entre os apóstolos e nós, muita coisa aconteceu.
De acordo com os
historiadores, a Igreja começou suas atividades por volta do ano 30 da Era
Cristã, no século I, conforme narra o livro de Atos dos Apóstolos. A narrativa
de Lucas abrange pouco mais de 30 anos da história da Igreja, de 30 até cerca
de 63 no primeiro século. Tendo iniciado suas atividades em Jerusalém, a Igreja
Primitiva tinha cerca de 120 pessoas antes do Pentecostes, elevando o número
para três mil, depois para quase cinco mil pessoas, constituindo-se no que hoje
chamaríamos de uma mega-igreja. Embora tenha permanecido em Jerusalém até cerca
do ano 66, houve uma perseguição ocasionada pela morte de Estêvão, que forçou
parte da Igreja e fugir, indo pela Judeia, Samaria e começando a seguir o
roteiro geográfico ordenado por Jesus Cristo. Com a conversão e o ministério de
Paulo em suas viagens, a igreja começou a se espalhar pelo Império Romano,
buscando chegar até os confins da terra. No final da narrativa de Atos, grande
parte do Império já havia sido alcançada pela pregação do evangelho através da
Igreja.
Era a Igreja no princípio
batista? Creio que não fosse batista, católica ou definida por qualquer outro
nome dos nossos dias. Em Jerusalém, os membros da igreja de Cristo eram
chamados de “seguidores do Caminho”, conforme narrativa de Lucas no início da
história de Paulo. Em Cesareia foram eles chamados de “cristãos” pela primeira
vez. Não deve ter sido fácil manter-se a uniformidade na Igreja Cristã inicial,
já que heresias logo começaram a surgir, bem como perseguições por parte do
Império Romano também se intensificassem a partir do governo de Nero. Surgiu
então o termo “católico” que, na sua origem, significa “segundo o todo” ou
“conforme todos”, para identificar aquelas congregações que procuravam se
manter fieis ao evangelho conforme pregado pelos apóstolos e seguido pelas
diferentes unidades no Império.
Foram três séculos de
perseguição, a qual provocou o surgimento de muitos mártires, pessoas que
perderam suas vidas por não negarem a fé em Cristo. No início do século IV
surgiu Constantino, imperador romano que acabou com a perseguição e, segundo
alguns historiadores afirmam, converteu-se ao Cristianismo, tendo sido o
primeiro “imperador cristão”. De perseguida, a igreja passou a ser tolerada,
teve liberdade para cultuar e, no final do século IV, tornou-se a religião
oficial do Império Romano. Intensifica-se e oficializa-se então um processo de
catolização romana do Cristianismo. A Igreja, que seguia a doutrina apostólica,
passa a ser guiada pelo bispo de Roma (que começou a ser chamado de Papa) e
toda a hierarquia criada, passando a ser “católica romana”. Com muitos desvios
introduzidos ao longo do tempo, partindo da ortodoxia inicial para um conjunto
de “heterodoxias”, cada vez mais a igreja deixava a prática da Igreja Primitiva
e desenvolvia “um outro evangelho”. Mesmo no século XV, com tantas mudanças que
o mundo já apresentava em diferentes áreas e tantos líderes dentro do
catolicismo que demonstravam claramente sua oposição às heresias romanas, Roma
manteve-se irredutível na sua caminhada definida.
Surgem então no século XVI
os reformadores. Começando por Martinho Lutero que, em 31/10/1517, em
Wittenberg, na Alemanha, divulgou e discutiu com seus alunos na universidade,
em suas aulas de teologia, 95 teses que condenavam o abuso da venda de
indulgências pela igreja de seus dias, foi seguido por outros líderes cristãos
descontentes com Roma, como Zuinglio, na Suíça, Calvino em Genebra, somente
para mencionar os mais importantes. Cada reformador deu origem a um movimento
inicial, que gerou uma linha eclesiástica protestante diferente, como a
Luterana (do próprio Lutero), os Anabatistas, o Calvinismo e, na Inglaterra, o
Anglicanismo.
Fundada por Henrique VIII, a
igreja na Inglaterra separou-se de Roma pouco menos do que vinte anos depois
das teses de Lutero, tendo motivos políticos e até conjugais para o seu
surgimento. Com uma vida pessoal em nada edificante, o rei inglês não era um
reformador religioso, e criou uma igreja que inicialmente tinha muito pouca
diferença do catolicismo romano, sendo seguida por três de seus filhos no
trono, dois dos quais reformaram a Igreja Anglicana mais do que seu pai havia
feito, mas deixando ainda muito a desejar para um grupo de cristãos que queriam
ver a igreja na Inglaterra livre dos “trapos do papismo”; surgem em cena
os puritanos, os que queriam purificar a Igreja partindo do
indivíduo, atingindo a congregação e chegando ao próprio reino. Inicialmente, o
puritanismo não queria se separar da Igreja Anglicana, mas atuava internamente
em busca de mais reforma. Após muitas lutas e sofrimentos, cansados de esperar,
uma parte dentro do movimento se tornou separatista, isto é,
separou-se do corpo da Igreja e iniciou congregações independentes, procurando
seguir o Novo Testamento com relação à igreja primitiva e à doutrina
apostólica. Acontece que o Anglicanismo era a religião oficial da Inglaterra, imposta
pelo cabeça da Igreja, o Rei. A perseguição não tardou a acontecer e algumas
dessas congregações fugiram para o continente europeu.
Um dos grupos que fugiu à
perseguição religiosa era liderada por um ministro anglicano chamado John
Smyth, o qual, juntamente com cerca de cinquenta pessoas, foi se refugiar em
Amsterdam, na Holanda. Ali, reunidos numa padaria cedida por Jan Munter, um
menonita holandês, Smyth criou a “Congregação da Padaria”, em 1609. Negando a
validade do batismo infantil que todos haviam recebido como anglicanos na
infância e acreditando que uma congregação local deve ser formada, segundo o
Novo Testamento, por aqueles que creem e são batizados, Smyth batizou-se a si
mesmo e aos demais da congregação, criando um “embrião batista em solo
holandês”. Em 2009, a Aliança Batista Mundial descerrou em Amsterdam, nas
proximidades da Bakerstraat (Rua do Padeiro), uma placa comemorativa dos 400
anos de início do trabalho batista.
O embrião batista, em pouco
tempo, se dividiu, tendo a maioria seguido o ministro religioso, buscando
aceitação como membros da Igreja Menonita Waterlander de Amsterdam; a minoria,
sob a liderança de Thomas Helwys, um leigo que apoiava o trabalho de Smyth até
então como seu substituto – cerca de dez pessoas – persistiu crendo que o
início havia sido correto e abençoado por Deus, mantendo a comunhão por mais
algum tempo, até que voltaram à Inglaterra em 1612, fundando então, finalmente,
a 1ª Igreja Batista Inglesa em Spitalfields, nos arredores de Londres, a qual
prosperou e deu frutos.
As primeiras igrejas, frutos
do trabalho inicial de Helwys, foram posteriormente chamadas de “Batistas
Gerais”, já que, pouco menos de vinte anos depois, no final da década de 1630,
surgiram os “Batistas Particulares”. Gerais e Particulares se diferenciavam por
divergências de intepretação bíblica surgidas entre dois teólogos, Armínio e
Calvino. Os dois grupos seguiram prosperando separadamente até praticamente o
século XIX, quando se uniram na convenção inglesa chamada de União Batista.
O ambiente religioso na
Inglaterra era opressivo na primeira metade do século XVI, já que a Igreja
Anglicana não admitia concorrência. Paralelamente a isso, surgia no horizonte a
possibilidade de um Novo Mundo, onde a colonização poderia abrir a perspectiva de
uma vida com outros propósitos e maior liberdade civil e religiosa. Muitos
puritanos e separatistas puseram sua esperança nessa possibilidade, começando
com a formação do projeto em torno do navio Mayflower, o qual, em 1620, aportou
na região que viria a ser conhecida como Nova Inglaterra, na América do Norte.
Nem todos os cento e poucos tripulantes do Mayflower eram puritanos, mas os que
vinham com essa visão e formação influenciaram a criação de colônias nas quais
a Igreja tivesse características diferentes da anglicana da qual fugiam. Surgiu
então a Igreja Congregacional, existente até hoje, cuja forma de governo é
semelhante à dos batistas, havendo entre nós não muitas diferenças
doutrinárias. Não devia haver batistas no Mayflower, mas em pouco tempo eles
foram surgindo na história da igreja norte-americana. Assim é que, no final da
década de 1930, Roger Williams, também formado como ministro anglicano,
tornando-se puritano e separatista, fundou na colônia que recebeu o nome de
Rhode Island a povoação que deu origem à capital do atual estado, Providence,
criando logo em seguida a 1ª Igreja Batista no Novo Mundo em 1639. Outras
igrejas foram criadas, em Rhode Island, em Massachusetts e em outras colônias,
numa expansão que abrangeu as 13 colônias iniciais. Com a expansão para o
oeste, também os batistas foram se espalhando pelo território dos Estados
Unidos, até a costa do Pacífico.
Surgiu então, no século XIX,
a questão da abolição da escravatura, que opôs os estados do Norte e do Sul, no
governo do presidente Lincoln, resultando na Guerra da Secessão, acontecida de
1861 a 1865. Já os batistas se organizavam em convenções e associações no
século XIX, tendo a questão abolicionista ocasionado a fundação da Convenção
Batista do Sul dos Estados Unidos, a maior das convenções batistas mundiais em
número de igrejas e de membros. Com a abolição da escravatura e a vitória do
Norte sobre o Sul, muitos fazendeiros, familiares e simpatizantes da causa
sulista procuraram no mapa países no mundo onde a escravidão ainda existisse,
procurando manter o estilo de vida ao qual estavam acostumados. Assim é que
muitos escolheram o Brasil e, no nosso país, um considerável número veio para o
estado de São Paulo, fixando-se em Santa Bárbara.
Os norte-americanos de Santa
Bárbara eram muitos deles religiosos, pertencentes principalmente às igrejas
presbiteriana, metodista e batista. Criaram então os grupos suas igrejas, tendo
a 1ª Igreja Batista de Santa Bárbara sido fundada em 1871. Inicialmente, aquela
foi uma igreja criada para manter a fé e a comunhão daqueles irmãos batistas
norte-americanos, com seus cultos em inglês; no entanto, aos poucos, avaliando
as possibilidades do território brasileiro, seus líderes começaram a enviar
correspondência para Richmond, na Virgínia, sede da junta de missões
estrangeiras da Convenção Batista do Sul. Assim sendo, no início da década de
1880, chegaram os primeiros missionários: a família de William Buck Bagby e,
pouco tempo depois, a de Zachary Taylor. Os casais buscaram Santa Bárbara,
levando suas cartas para a igreja de lá. Os quatro missionários, acompanhados
de Albuquerque, um sacerdote católico convertido e batizado em Santa Bárbara na
segunda igreja – o primeiro pastor batista brasileiro –, foram os cinco membros
fundadores da 1ª Igreja de Salvador, na Bahia, em 15 de outubro de 1882. A
igreja de Salvador inaugurou aquilo que a Convenção Batista Brasileira chamou
recentemente de “Via da Missão”, já que outras igrejas foram fundadas em outros
estados brasileiros por missionários, inicialmente norte-americanos e
posteriormente também brasileiros e de outras nacionalidades. As duas igrejas
de Santa Bárbara são hoje consideradas na “Via da Imigração” e é preciso
reconhecer que elas acabaram sendo uma base sólida para que a via missionária
se implantasse definitivamente em nossas terras. A Convenção Batista
Brasileira, à qual nos filiamos, foi fundada em Salvador, em 1907, vinte e
cinco anos depois do trabalho iniciado na Bahia.
Do início até agora, muita
coisa aconteceu, muitos foram os eventos históricos ocorridos, assunto para ser
estudado oportunamente. A Igreja Batista Central foi fundada em 14/12/1957,
tendo completado cinquenta anos em 2007, ocasião na qual foi lançado um livro
que conta sua história. Os Batistas hoje, em 2015, somam-se milhões ao redor do
mundo, tendo na Aliança Batista Mundial seu órgão mais abrangente, geral e
significativo.
Que ligação temos
nós, batistas, com a Igreja Primitiva e com o evangelho apostólico? A Convenção
Batista Brasileira, no texto “Quem somos como Batistas” exposto em seu Portal
na internet, afirma: “Somos um povo que vem de longe, com muitos nomes,
de muitas perseguições, de muitas lutas, mas construindo uma bela história de
fé, de doutrina e de princípios. (...) Somos o povo da Bíblia, a Palavra
Infalível e Eterna de Deus. Cremos em Deus Pai, santo, justo, criador, e
sustentador de todas as coisas. Cremos no Deus Filho Jesus Cristo, Salvador e
Senhor de nossas vidas e almas e no Deus Espirito Santo, o Consolador que nos
guia em tudo quanto Jesus ensinou.” Como batistas, assim como outras
denominações e grupos cristãos oriundos da Reforma Protestante, procuramos
resgatar, ao longo da história, as primitivas doutrinas apostólicas e cremos
que, na teoria, nós nos aproximamos bastante da ortodoxia da igreja inicial.
Precisamos reconhecer, porém, que há entre nós igrejas que já perderam o rumo,
mantendo às vezes apenas a fé dos seus membros. Jesus não nos salvou para
ficarmos sentados, “esquentando banco da igreja”, mas para compartilharmos a
nossa fé com todos aqueles que estiverem no alcance da nossa influência. “Cada
batista um missionário” foi o lema enunciado por Oncken, um importante líder
batista alemão do passado. Creio que este lema ainda vale para nós hoje.
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