26 e 27 - BATISTAS NO BRASIL

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As duas vias

ATOS, 500 ANOS, BATISTAS: UM RESUMO

Como começa a história da Igreja? Iniciando pela Igreja Primitiva do século I, vamos abordar quinze séculos de história do evangelho apostólico que, aos poucos, vai deixando a pureza inicial e se transformando em “um outro evangelho”, até o advento da Reforma Protestante no século XVI. Nós, batistas, surgimos como igreja no século XVII e aqui estamos, Igreja Batista Central de Campinas, estado de São Paulo, Brasil, no século XXI. Entre os apóstolos e nós, muita coisa aconteceu.

De acordo com os historiadores, a Igreja começou suas atividades por volta do ano 30 da Era Cristã, no século I, conforme narra o livro de Atos dos Apóstolos. A narrativa de Lucas abrange pouco mais de 30 anos da história da Igreja, de 30 até cerca de 63 no primeiro século. Tendo iniciado suas atividades em Jerusalém, a Igreja Primitiva tinha cerca de 120 pessoas antes do Pentecostes, elevando o número para três mil, depois para quase cinco mil pessoas, constituindo-se no que hoje chamaríamos de uma mega-igreja. Embora tenha permanecido em Jerusalém até cerca do ano 66, houve uma perseguição ocasionada pela morte de Estêvão, que forçou parte da Igreja e fugir, indo pela Judeia, Samaria e começando a seguir o roteiro geográfico ordenado por Jesus Cristo. Com a conversão e o ministério de Paulo em suas viagens, a igreja começou a se espalhar pelo Império Romano, buscando chegar até os confins da terra. No final da narrativa de Atos, grande parte do Império já havia sido alcançada pela pregação do evangelho através da Igreja.
Era a Igreja no princípio batista? Creio que não fosse batista, católica ou definida por qualquer outro nome dos nossos dias. Em Jerusalém, os membros da igreja de Cristo eram chamados de “seguidores do Caminho”, conforme narrativa de Lucas no início da história de Paulo. Em Cesareia foram eles chamados de “cristãos” pela primeira vez. Não deve ter sido fácil manter-se a uniformidade na Igreja Cristã inicial, já que heresias logo começaram a surgir, bem como perseguições por parte do Império Romano também se intensificassem a partir do governo de Nero. Surgiu então o termo “católico” que, na sua origem, significa “segundo o todo” ou “conforme todos”, para identificar aquelas congregações que procuravam se manter fieis ao evangelho conforme pregado pelos apóstolos e seguido pelas diferentes unidades no Império.
Foram três séculos de perseguição, a qual provocou o surgimento de muitos mártires, pessoas que perderam suas vidas por não negarem a fé em Cristo. No início do século IV surgiu Constantino, imperador romano que acabou com a perseguição e, segundo alguns historiadores afirmam, converteu-se ao Cristianismo, tendo sido o primeiro “imperador cristão”. De perseguida, a igreja passou a ser tolerada, teve liberdade para cultuar e, no final do século IV, tornou-se a religião oficial do Império Romano. Intensifica-se e oficializa-se então um processo de catolização romana do Cristianismo. A Igreja, que seguia a doutrina apostólica, passa a ser guiada pelo bispo de Roma (que começou a ser chamado de Papa) e toda a hierarquia criada, passando a ser “católica romana”. Com muitos desvios introduzidos ao longo do tempo, partindo da ortodoxia inicial para um conjunto de “heterodoxias”, cada vez mais a igreja deixava a prática da Igreja Primitiva e desenvolvia “um outro evangelho”. Mesmo no século XV, com tantas mudanças que o mundo já apresentava em diferentes áreas e tantos líderes dentro do catolicismo que demonstravam claramente sua oposição às heresias romanas, Roma manteve-se irredutível na sua caminhada definida. 
Surgem então no século XVI os reformadores. Começando por Martinho Lutero que, em 31/10/1517, em Wittenberg, na Alemanha, divulgou e discutiu com seus alunos na universidade, em suas aulas de teologia, 95 teses que condenavam o abuso da venda de indulgências pela igreja de seus dias, foi seguido por outros líderes cristãos descontentes com Roma, como Zuinglio, na Suíça, Calvino em Genebra, somente para mencionar os mais importantes. Cada reformador deu origem a um movimento inicial, que gerou uma linha eclesiástica protestante diferente, como a Luterana (do próprio Lutero), os Anabatistas, o Calvinismo e, na Inglaterra, o Anglicanismo.
Fundada por Henrique VIII, a igreja na Inglaterra separou-se de Roma pouco menos do que vinte anos depois das teses de Lutero, tendo motivos políticos e até conjugais para o seu surgimento. Com uma vida pessoal em nada edificante, o rei inglês não era um reformador religioso, e criou uma igreja que inicialmente tinha muito pouca diferença do catolicismo romano, sendo seguida por três de seus filhos no trono, dois dos quais reformaram a Igreja Anglicana mais do que seu pai havia feito, mas deixando ainda muito a desejar para um grupo de cristãos que queriam ver a igreja na Inglaterra livre dos “trapos do papismo”; surgem em cena os puritanos, os que queriam purificar a Igreja partindo do indivíduo, atingindo a congregação e chegando ao próprio reino. Inicialmente, o puritanismo não queria se separar da Igreja Anglicana, mas atuava internamente em busca de mais reforma. Após muitas lutas e sofrimentos, cansados de esperar, uma parte dentro do movimento se tornou separatista, isto é, separou-se do corpo da Igreja e iniciou congregações independentes, procurando seguir o Novo Testamento com relação à igreja primitiva e à doutrina apostólica. Acontece que o Anglicanismo era a religião oficial da Inglaterra, imposta pelo cabeça da Igreja, o Rei. A perseguição não tardou a acontecer e algumas dessas congregações fugiram para o continente europeu.
Um dos grupos que fugiu à perseguição religiosa era liderada por um ministro anglicano chamado John Smyth, o qual, juntamente com cerca de cinquenta pessoas, foi se refugiar em Amsterdam, na Holanda. Ali, reunidos numa padaria cedida por Jan Munter, um menonita holandês, Smyth criou a “Congregação da Padaria”, em 1609. Negando a validade do batismo infantil que todos haviam recebido como anglicanos na infância e acreditando que uma congregação local deve ser formada, segundo o Novo Testamento, por aqueles que creem e são batizados, Smyth batizou-se a si mesmo e aos demais da congregação, criando um “embrião batista em solo holandês”. Em 2009, a Aliança Batista Mundial descerrou em Amsterdam, nas proximidades da Bakerstraat (Rua do Padeiro), uma placa comemorativa dos 400 anos de início do trabalho batista.
O embrião batista, em pouco tempo, se dividiu, tendo a maioria seguido o ministro religioso, buscando aceitação como membros da Igreja Menonita Waterlander de Amsterdam; a minoria, sob a liderança de Thomas Helwys, um leigo que apoiava o trabalho de Smyth até então como seu substituto – cerca de dez pessoas – persistiu crendo que o início havia sido correto e abençoado por Deus, mantendo a comunhão por mais algum tempo, até que voltaram à Inglaterra em 1612, fundando então, finalmente, a 1ª Igreja Batista Inglesa em Spitalfields, nos arredores de Londres, a qual prosperou e deu frutos.
As primeiras igrejas, frutos do trabalho inicial de Helwys, foram posteriormente chamadas de “Batistas Gerais”, já que, pouco menos de vinte anos depois, no final da década de 1630, surgiram os “Batistas Particulares”. Gerais e Particulares se diferenciavam por divergências de intepretação bíblica surgidas entre dois teólogos, Armínio e Calvino. Os dois grupos seguiram prosperando separadamente até praticamente o século XIX, quando se uniram na convenção inglesa chamada de União Batista.
O ambiente religioso na Inglaterra era opressivo na primeira metade do século XVI, já que a Igreja Anglicana não admitia concorrência. Paralelamente a isso, surgia no horizonte a possibilidade de um Novo Mundo, onde a colonização poderia abrir a perspectiva de uma vida com outros propósitos e maior liberdade civil e religiosa. Muitos puritanos e separatistas puseram sua esperança nessa possibilidade, começando com a formação do projeto em torno do navio Mayflower, o qual, em 1620, aportou na região que viria a ser conhecida como Nova Inglaterra, na América do Norte. Nem todos os cento e poucos tripulantes do Mayflower eram puritanos, mas os que vinham com essa visão e formação influenciaram a criação de colônias nas quais a Igreja tivesse características diferentes da anglicana da qual fugiam. Surgiu então a Igreja Congregacional, existente até hoje, cuja forma de governo é semelhante à dos batistas, havendo entre nós não muitas diferenças doutrinárias. Não devia haver batistas no Mayflower, mas em pouco tempo eles foram surgindo na história da igreja norte-americana. Assim é que, no final da década de 1930, Roger Williams, também formado como ministro anglicano, tornando-se puritano e separatista, fundou na colônia que recebeu o nome de Rhode Island a povoação que deu origem à capital do atual estado, Providence, criando logo em seguida a 1ª Igreja Batista no Novo Mundo em 1639. Outras igrejas foram criadas, em Rhode Island, em Massachusetts e em outras colônias, numa expansão que abrangeu as 13 colônias iniciais. Com a expansão para o oeste, também os batistas foram se espalhando pelo território dos Estados Unidos, até a costa do Pacífico.
Surgiu então, no século XIX, a questão da abolição da escravatura, que opôs os estados do Norte e do Sul, no governo do presidente Lincoln, resultando na Guerra da Secessão, acontecida de 1861 a 1865. Já os batistas se organizavam em convenções e associações no século XIX, tendo a questão abolicionista ocasionado a fundação da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, a maior das convenções batistas mundiais em número de igrejas e de membros. Com a abolição da escravatura e a vitória do Norte sobre o Sul, muitos fazendeiros, familiares e simpatizantes da causa sulista procuraram no mapa países no mundo onde a escravidão ainda existisse, procurando manter o estilo de vida ao qual estavam acostumados. Assim é que muitos escolheram o Brasil e, no nosso país, um considerável número veio para o estado de São Paulo, fixando-se em Santa Bárbara.
Os norte-americanos de Santa Bárbara eram muitos deles religiosos, pertencentes principalmente às igrejas presbiteriana, metodista e batista. Criaram então os grupos suas igrejas, tendo a 1ª Igreja Batista de Santa Bárbara sido fundada em 1871. Inicialmente, aquela foi uma igreja criada para manter a fé e a comunhão daqueles irmãos batistas norte-americanos, com seus cultos em inglês; no entanto, aos poucos, avaliando as possibilidades do território brasileiro, seus líderes começaram a enviar correspondência para Richmond, na Virgínia, sede da junta de missões estrangeiras da Convenção Batista do Sul. Assim sendo, no início da década de 1880, chegaram os primeiros missionários: a família de William Buck Bagby e, pouco tempo depois, a de Zachary Taylor. Os casais buscaram Santa Bárbara, levando suas cartas para a igreja de lá. Os quatro missionários, acompanhados de Albuquerque, um sacerdote católico convertido e batizado em Santa Bárbara na segunda igreja – o primeiro pastor batista brasileiro –, foram os cinco membros fundadores da 1ª Igreja de Salvador, na Bahia, em 15 de outubro de 1882. A igreja de Salvador inaugurou aquilo que a Convenção Batista Brasileira chamou recentemente de “Via da Missão”, já que outras igrejas foram fundadas em outros estados brasileiros por missionários, inicialmente norte-americanos e posteriormente também brasileiros e de outras nacionalidades. As duas igrejas de Santa Bárbara são hoje consideradas na “Via da Imigração” e é preciso reconhecer que elas acabaram sendo uma base sólida para que a via missionária se implantasse definitivamente em nossas terras. A Convenção Batista Brasileira, à qual nos filiamos, foi fundada em Salvador, em 1907, vinte e cinco anos depois do trabalho iniciado na Bahia.
Do início até agora, muita coisa aconteceu, muitos foram os eventos históricos ocorridos, assunto para ser estudado oportunamente. A Igreja Batista Central foi fundada em 14/12/1957, tendo completado cinquenta anos em 2007, ocasião na qual foi lançado um livro que conta sua história. Os Batistas hoje, em 2015, somam-se milhões ao redor do mundo, tendo na Aliança Batista Mundial seu órgão mais abrangente, geral e significativo.
Que ligação temos nós, batistas, com a Igreja Primitiva e com o evangelho apostólico? A Convenção Batista Brasileira, no texto “Quem somos como Batistas” exposto em seu Portal na internet, afirma: “Somos um povo que vem de longe, com muitos nomes, de muitas perseguições, de muitas lutas, mas construindo uma bela história de fé, de doutrina e de princípios. (...) Somos o povo da Bíblia, a Palavra Infalível e Eterna de Deus. Cremos em Deus Pai, santo, justo, criador, e sustentador de todas as coisas. Cremos no Deus Filho Jesus Cristo, Salvador e Senhor de nossas vidas e almas e no Deus Espirito Santo, o Consolador que nos guia em tudo quanto Jesus ensinou.” Como batistas, assim como outras denominações e grupos cristãos oriundos da Reforma Protestante, procuramos resgatar, ao longo da história, as primitivas doutrinas apostólicas e cremos que, na teoria, nós nos aproximamos bastante da ortodoxia da igreja inicial. Precisamos reconhecer, porém, que há entre nós igrejas que já perderam o rumo, mantendo às vezes apenas a fé dos seus membros. Jesus não nos salvou para ficarmos sentados, “esquentando banco da igreja”, mas para compartilharmos a nossa fé com todos aqueles que estiverem no alcance da nossa influência. “Cada batista um missionário” foi o lema enunciado por Oncken, um importante líder batista alemão do passado. Creio que este lema ainda vale para nós hoje.

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ÍNDICE DOS FASCÍCULOS

Introdução 1)    16 séculos de Igreja Cristã 2)    Anglicanismo: a Igreja do Rei 3)    Puritanos, Separatistas, Batistas 4)    A “C...