“... ide,
ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo; ensinando-as
a guardar todas as coisas que
eu vos tenho mandado”.
(Mateus 28.19-20a)
Lutero, Calvino e os
reformadores iniciais defenderam que a Bíblia é a única regra de fé e prática
da Igreja. O Sola Scriptura,
juntamente com a doutrina do sacerdócio individual de todos os crentes,
constituíam-se, no entanto, em uma “ideia perigosa”, segundo Alister McGrath em
seu livro “A Revolução Protestante”. Levanta ele as seguintes questões: “Quem tem a autoridade para definir a fé da
religião: as instituições ou os indivíduos? Quem tem o direito de interpretar
seu documento fundamental, a Bíblia?” Teoricamente, a mensagem bíblica pode
ser entendida e interpretada por todos os cristãos, com a orientação do
Espírito Santo de Deus. No entanto, nem tudo na Bíblia pode ser considerado de
fácil entendimento e interpretação. Como é que a Igreja tinha respondido as
duas questões levantadas até o advento da Reforma Protestante?
Informa um site católico: “A Igreja Católica tem preservado ao longo dos séculos o chamado Depositum Fidei (Depósito da Fé), ou seja, a revelação
divina que Jesus transmitiu oralmente aos seus Apóstolos, – bem como sua ordem
de que fosse perpetuado o ritual litúrgico que trouxe esta maravilha
sobrenatural”. Criou a Igreja o processo da “sucessão apostólica”, crendo
que, ao longo do tempo, a capacidade de entendimento e interpretação ortodoxa
das Escrituras tivesse sido dada primeiramente a Pedro e demais apóstolos e
sucessivamente aos demais papas, os quais a transmitiriam a seus sucessores,
descendo pela hierarquia criada pela Igreja e chegando ao vigário de cada
paróquia através do seu bispo. O bispo seria, portanto, aquele elemento
unitário do processo, sob a orientação do bispo maior de Roma, o Papa. Como a
ortodoxia inicial da Igreja apostólica sofreu acréscimos de muitas
heterodoxias, principalmente via tradição oral, os reformadores tinham diante
de si inicialmente quatro vertentes iniciais de futuras denominações
protestantes, que precisaram lidar com o problema e responder as perguntas
levantadas por McGrath. Como foi que as igrejas lidaram com o assunto?
Luteranos, Anglicanos e outras igrejas que mantiveram na estrutura de governo
seus bispos entenderam que eles seriam os sucessores dos bispos católicos após
o rompimento com Roma e garantiriam a continuidade à fidelidade da
interpretação bíblica. Outros grupos, como os Waiters, por exemplo, esperavam
que o próprio Senhor Jesus nomeasse novos apóstolos para refazerem o rumo da
Igreja, crendo que homem algum poderia resolver tão grave problema.
Toda essa digressão
inicial nos traz agora a uma “teoria batista”, igreja que, vivendo em época de
confronto denominacional e diferenças entre as igrejas existentes nos Estados
Unidos da América no século XIX, a partir de meados do século, acabou por desenvolver
a teoria que em inglês se chama “landmarkism” (landmarquismo), baseada nas
palavras “land” (= terra) e “mark” (= marca). “Não removas os limites antigos que fizeram teus pais”, conforme se lê em Provérbios 22.28, além de outras passagens
bíblicas, foram usadas como alerta para a necessidade de não se mudarem as
marcas no chão (os “limites antigos”) deixados pelos pais, ou seja, seguir o
rastro que os antepassados haviam feito ao longo dos séculos, começando por
Jesus, seus apóstolos e a Igreja Primitiva. O movimento defendia que somente a
Igreja Batista que o seguisse poderia ser considerada como Igreja perfeita,
ideal, regular; as demais se tornariam irregulares, gerando o catolicismo.
Assim sendo, a sucessão apostólica (teoria criada pelos católicos) não era
feita através de bispos pela imposição das mãos, mas através de congregações
locais que não removeram os limites antigos deixados pelos pais, ou seja, as
igrejas do movimento landmarquista. Assim sendo, não concebiam a ideia de que o
púlpito dessas igrejas fosse ocupado por outros pastores que não os seguidores
do movimento. Além disso, praticavam a comunhão fechada na Ceia do Senhor,
sendo participantes apenas os membros da igreja local. Não concebiam a ideia de
uma Igreja Universal, formada por pessoas de todas as raças, povos em diferentes
épocas. Assim, interpretavam a parábola das bodas do Cordeiro entendendo que a
Noiva, ou seja, a Igreja, seria apenas constituída dos batistas seguidores do
movimento; os membros das demais igrejas poderiam participar da festa, mas como
convidados ou serviçais.
Antes mesmo
do surgimento do Landmarquismo no meio batista, já na organização da
“Congregação da Padaria” vemos consequência da sucessão apostólica. John
Smyth buscava uma Igreja
Ideal, preocupado com o sucessionismo apostólico. Pouco tempo após a
organização do embrião batista em Amsterdam, na Holanda, constituído por
ingleses que fugiram da perseguição religiosa em seu país, o primeiro pastor
batista, diante da pressão sofrida e da repercussão que seu auto batismo havia
causado no meio da liderança protestante, arrependeu-se do que havia feito e
quis levar todo o rebanho para a Igreja Menonita Waterlander de Amsterdam,
julgando encontrar ali uma sucessão apostólica já resolvida e definida. Thomas
Helwys, porém, não julgou o sucessionismo como algo importante a ser
considerado e defendeu a organização que havia sido realizada. Uma dezena de
pessoas constituiu o que sobrou do embrião batista que, sob a liderança de
Helwys, voltou para Londres e implantou ali a Primeira Igreja Batista Geral,
dando início à denominação batista.
Outro
fato notável que mostra consequências do sucessionismo apostólico ocorreu com o
primeiro pastor batista que criou a Igreja Batista de Providence, na colônia
norte-americana de Rhode Island, a primeira igreja da denominação plantada nos
Estados Unidos. Seguindo a linha dos Waiters já mencionados, Roger Williams,
pouco tempo após a organização da igreja, deixou a liderança e o rebanho,
enquanto aguardava que novos apóstolos fossem divinamente nomeados, crendo que
somente assim o problema da ortodoxia da Igreja Primitiva apostólica seria
resolvido.
Em 2017,
comemoramos 500 anos desde o início oficial da Reforma Protestante. Neste meio
século de existência, muitos foram os caminhos seguidos pela Igreja Cristã, que
se divide constantemente em diferentes grupos, todos eles usando respaldo
bíblico para suas doutrinas e práticas. “Quem tem a autoridade para definir a fé
da religião: as instituições ou os indivíduos? Quem tem o direito de
interpretar seu documento fundamental, a Bíblia?” As perguntas levantadas ainda estão diante da Igreja
para serem respondidas. Que o Espírito Santo de Deus ilumine o coração e a
mente de todos os cristãos para que, dentro da possibilidade individual de cada
um, a Bíblia possa ser entendida e seguida, trazendo edificação pessoal e
santificação crescente. Que o mesmo Espírito ilumine cada pregador da Palavra
de Deus que se levanta para ler e interpretar a mensagem bíblica diante do povo,
pois grande, enorme, descomunal é a responsabilidade dos ministros do evangelho
de fazerem essa tarefa debaixo da mão de Deus, em um mundo pós-moderno que não
aceita verdades absolutas, mas que a tudo relativiza.
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