Tendo iniciado sua trajetória por este mundo
por volta do ano 30 do primeiro século, ainda em plena Antiguidade, a Igreja Cristã
desenvolveu uma história inicial de quinze séculos, até o final da Idade Média.
Seu início aconteceu na cidade de Jerusalém, na Província da Judeia, integrada
ao Império Romano, inicialmente com um pequeno grupo de cerca de 120 judeus,
segundo nos informa o livro de Atos dos Apóstolos, logo acrescido de quase três
mil novos membros após o Dia de Pentecostes. O grupo resultante era formado por
judeus e também por pessoas que, de descendência judaica, moravam em cerca de
quinze outras províncias do Império, num movimento de diáspora iniciado
anteriormente. Todos ouviram a pregação do evangelho em sua própria língua, já
que muitos não usavam mais o aramaico da região da Judeia. Era uma megaigreja,
única inicialmente, mas que se espalhou por muitas regiões do império com a
volta dos judeus da diáspora, bem como com a perseguição que aconteceu após a
morte de Estêvão, o primeiro mártir cristão.
Perseguição e martírio foram fatos que marcaram
os primeiros três séculos do Cristianismo, na maioria das vezes localizados
geograficamente e esporádicas ao longo dos trezentos anos, até o surgimento de
Constantino, aquele que se colocou como o primeiro imperador convertido ao
Cristianismo. Convertido ou não, foi a partir do seu surgimento na história que
a Igreja recebeu inicialmente uma tolerância para sua existência, vindo logo
após a liberdade de cultuar a Deus. Puderam então os cristãos começar a
respirar, a se organizar e a criar suas estruturas de forma mais adequada.
Durante três séculos, apesar da perseguição, houvera uma grande expansão do
evangelho por todo o Império Romano, além de ter a igreja atingido regiões além
das fronteiras imperiais. O público alvo atingido pelo evangelho também foi
bastante variado ao longo desses três séculos, alcançando praticamente todas as
camadas da população romana, desde as menos importantes até as cortes, chegando
mesmo à nobreza.
Quanto à unidade da mensagem pregada, é preciso
ressaltar que o evangelho de Cristo foi confrontado inicialmente, além da
perseguição já citada, por filosofias e religiões variadas que existiam nas
diferentes regiões do Império, principalmente por uma ideologia que era
bastante dominante e generalizada: a filosofia grega. Diante de uma escola
filosófica já com cerca de cinco séculos de existência e elaboração, a igreja
iniciou sua pregação com base na experiência pessoal de 120 judeus que se
reuniram após a ascenção do Senhor Jesus Cristo com o próprio Salvador,
destacando-se no grupo os doze apóstolos que mais de perto ouviram os ensinos
orais de Cristo, já que nada foi deixado por escrito por ele. É fácil entender
que foi bastante difícil esse início, com tantos fatores de confronto ao
evangelho minando a sua autenticidade apostólica. No entanto, os líderes
cristãos, orientados pelo Espírito Santo, escreveram textos na forma de
evangelhos, livros de atos (história), epístolas e livros de profecia que, em
quatro séculos, acabaram por ser discutidos, selecionados e reunidos naquilo
que hoje é conhecido como o Novo Testamento.
A palavra “católico” é de origem grega e tem o
sentido etimológico de “como todos, através do todo ou universal” e foi usada
pela primeira vez num texto escrito por Inácio de Antioquia, no início do
século II. O sentido era mostrar a uniformidade e o cuidado da pregação do
evangelho com a pureza doutrinária, que deveria ser feita “como todos, através
do todo” ou de forma “universal” ao
longo do Império. No entanto, ideias heréticas e mesmo pagãs foram sendo
introduzidas nas igrejas durante os três séculos iniciais e passaram a ser discutidas
e dogmatizadas a partir de Constantino, já que a Igreja começou a respirar ares
de liberdade após tanta perseguição (fato positivo), mas passou a ter condições
de organizar a Igreja na forma de reuniões de liderança e concílios (fato não
tão positivo assim), já que isso levou à criação da hierarquia, do papado e do
Catolicismo. Estando a vida de Constantino contida no início do século IV, no
final do mesmo século, o imperador Teodósio decretou o Cristianismo Católico
como religião oficial do que restava no Império Romano, já em franca decadência
e divisão entre Oriente e Ocidente. A partir dessa legislação, a Igreja,
perseguida por três séculos, passou a ser perseguidora de todos aqueles que não
a aceitassem, fato decorrente inclusive do próprio texto legal promulgado.
Por que Reforma Protestante? Voltando-nos agora
para o título dado ao tópico inicial nesta recontagem da história das origens
batistas e resumindo bastante o assunto, chegamos ao século XV com uma Igreja
Cristã muito comprometida com os acontecimentos que se desenrolaram, comprometendo
em muitos aspectos a pureza doutrinária do evangelho apostólico inicial. Ligação
entre os poderes eclesiástico e imperial, secularização acentuada, clero
totalmente comprometido com o mundo no qual atuava e deveria ajudar a redimir
pelo evangelho, além de outros pontos negativos que poderiam ser citados,
fizeram com que vozes de cristãos piedosos fossem levantadas ao longo dos
séculos, protestando contra os desvios e heresias criadas pela Igreja Católica.
Pedro Valdo, John Wyclif, Jan Hus, Savonarola, Erasmo de Roterdã, além de
outros, cada um em seu tempo e dentro de suas circunstâncias, foram líderes que
denunciaram abusos da Igreja no seu desvio da sã doutrina. No entanto, nenhum
deles conseguiu criar condições para que uma reforma abrangente acontecesse e
uma nova forma de ser igreja passasse a existir. No século XVI, a partir de
Martim Lutero, seu contemporâneo Ulrico Zuinglio, João Calvino e outros, na
Alemanha e Suíça inicialmente, a Reforma Protestante teve início e ganhou
projeção, atingindo o norte da Europa, região acima dos Alpes.
Outra região atingida pela Reforma Protestante
foi a Inglaterra, nos tempos do Rei Henrique VIII. Não sendo um teólogo ou reformador
no porte dos citados, mas mais preocupado com aspectos políticos e sucessórios
no seu governo, o Rei buscava ter um filho varão, coisa que não conseguiu com
sua primeira esposa, a espanhola Catarina de Aragão. Tendo buscado junto ao
papa anulação do casamento para que pudesse legalmente se casar com Ana Bolena,
o rei viu seus esforços frustrados principalmente por motivos políticos: na
época, a Espanha era uma potência e seu rei era tio de Isabel, de cujo apoio o
papa dependia grandemente. O Rei resolveu o problema do divórcio dentro da
legislação do próprio reino inglês, anulando o casamento com o apoio do
parlamento e legalizando seu segundo matrimônio. Para isso, rompeu com o papado
romano, tirando do papa o comando da Igreja e criando a Igreja Anglicana, cujo
cabeça passou a ser o próprio rei. A Igreja Anglicana, criada por Henrique VIII
por motivos político-sucessórios, na sua história cheia de idas e vindas, foi a
ala da Reforma Protestante que acabou por dar origem à denominação batista.
Os próximos capítulos discutirão a origem dos
Batistas em três diferentes frentes, vistas por nós como independentes. Vamos
mostrar na verdade três origens isoladas no tempo e no espaço, sem que
aparentemente nenhuma delas tivesse tido influência no surgimento de cada uma.
No entanto, há algo em comum que as une e precisa ser aqui apresentado neste
final de capítulo.
Tendo o Anglicanismo sido uma ala diferenciada da Reforma
Protestante, já que não surgiu pelo trabalho e ideias de um reformador com
intenções teológicas iniciais, mas de um rei com motivação político-sucessória,
conforme já se afirmou, sua história inicial foi feita de idas e vindas, de
avanços e recuos, a partir dos sucessores de Henrique VIII. O próprio Rei
iniciador da Igreja, segundo os historiadores, deixou com sua morte na
Inglaterra uma igreja ainda católica na sua essência, apenas separada de Roma.
Coube a Eduardo VI, o filho varão tão esperado por seu pai, dar sequência às
reformas da Igreja Anglicana, tendo o rei agido através de seus regentes, já
que era adolescente quando assumiu o trono. Os teólogos ingleses, bispos e
arcebispos protestantes, tiveram meia dúzia de anos para estabelecerem mudanças
na liturgia e nos dogmas eclesiásticos, mas o rei morreu ainda na adolescência,
já que havia nascido de uma gestação difícil e um parto que custou a vida de
sua mãe, Jane Seymor, tenho tido uma curta existência doentia. Sucedido no
trono por Maria Tudor, filha de Catarina de Castela e neta de Fernando e Isabel
de Espanha, os assim chamados “reis católicos” da época dos grandes
descobrimentos marítimos. Bloody Mary (Maria Sanguinária), a rainha, anulou
todos os atos de seu pai Henrique e de seu irmão Eduardo com relação à Igreja
Anglicana, restabelecendo relacionamento com o papa em Roma. Isso provocou uma
perseguição aos protestantes na Inglaterra, com cerca de trezentos líderes e
cristãos mortos no país e cerca de oitocentos fugitivos, que foram para o
continente europeu, principalmente Alemanha e Suíça. Na Europa protestante, os
fugitivos entraram em contato com as ideias de Lutero e de Calvino. Com a morte
da rainha Maria após curto reinado de cerca de seis anos, os fugitivos voltaram
para a Inglaterra entusiasmados com o que haviam visto e experimentado como
reforma protestante, desejosos de que o mesmo acontecesse na Igreja Anglicana.
Era o surgimento de um grupo forte e expressivo dentro do Anglicanismo, os
puritanos, que lutavam pela pureza individual, familiar, eclesiástica e
nacional. No entanto, a Maria Tudor sucedeu Elizabeth I, filha de Ana Bolena,
que deu sequência às reformas protestantes na igreja da Inglaterra. O reino se
achava na época dividido entre católicos e protestantes e a rainha tinha
intenções políticas de pacificação, tendo criado uma igreja de duas vias, uma a
favor do catolicismo e outra protestante, política eclesiástica mantida até
hoje. Isso frustrou o desejo puritano por maiores reformas, já que elas não
aconteciam conforme desejado. Os puritanos não tinham intenção de se separarem
da Igreja Anglicana, querendo reformas internas, mas a frustração acabou por
gerar no movimento ações separatistas, quando grupos começaram a sair do
anglicanismo e a formar congregações independentes. Puritanos, separatistas,
batistas: esta é a ordem que explica nossas origens, assunto dos próximos
capítulos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário