26 e 27 - BATISTAS NO BRASIL

26 e 27 - BATISTAS NO BRASIL
As duas vias

1. POR QUE REFORMA PROTESTANTE


Tendo iniciado sua trajetória por este mundo por volta do ano 30 do primeiro século, ainda em plena Antiguidade, a Igreja Cristã desenvolveu uma história inicial de quinze séculos, até o final da Idade Média. Seu início aconteceu na cidade de Jerusalém, na Província da Judeia, integrada ao Império Romano, inicialmente com um pequeno grupo de cerca de 120 judeus, segundo nos informa o livro de Atos dos Apóstolos, logo acrescido de quase três mil novos membros após o Dia de Pentecostes. O grupo resultante era formado por judeus e também por pessoas que, de descendência judaica, moravam em cerca de quinze outras províncias do Império, num movimento de diáspora iniciado anteriormente. Todos ouviram a pregação do evangelho em sua própria língua, já que muitos não usavam mais o aramaico da região da Judeia. Era uma megaigreja, única inicialmente, mas que se espalhou por muitas regiões do império com a volta dos judeus da diáspora, bem como com a perseguição que aconteceu após a morte de Estêvão, o primeiro mártir cristão.
Perseguição e martírio foram fatos que marcaram os primeiros três séculos do Cristianismo, na maioria das vezes localizados geograficamente e esporádicas ao longo dos trezentos anos, até o surgimento de Constantino, aquele que se colocou como o primeiro imperador convertido ao Cristianismo. Convertido ou não, foi a partir do seu surgimento na história que a Igreja recebeu inicialmente uma tolerância para sua existência, vindo logo após a liberdade de cultuar a Deus. Puderam então os cristãos começar a respirar, a se organizar e a criar suas estruturas de forma mais adequada. Durante três séculos, apesar da perseguição, houvera uma grande expansão do evangelho por todo o Império Romano, além de ter a igreja atingido regiões além das fronteiras imperiais. O público alvo atingido pelo evangelho também foi bastante variado ao longo desses três séculos, alcançando praticamente todas as camadas da população romana, desde as menos importantes até as cortes, chegando mesmo à nobreza.
Quanto à unidade da mensagem pregada, é preciso ressaltar que o evangelho de Cristo foi confrontado inicialmente, além da perseguição já citada, por filosofias e religiões variadas que existiam nas diferentes regiões do Império, principalmente por uma ideologia que era bastante dominante e generalizada: a filosofia grega. Diante de uma escola filosófica já com cerca de cinco séculos de existência e elaboração, a igreja iniciou sua pregação com base na experiência pessoal de 120 judeus que se reuniram após a ascenção do Senhor Jesus Cristo com o próprio Salvador, destacando-se no grupo os doze apóstolos que mais de perto ouviram os ensinos orais de Cristo, já que nada foi deixado por escrito por ele. É fácil entender que foi bastante difícil esse início, com tantos fatores de confronto ao evangelho minando a sua autenticidade apostólica. No entanto, os líderes cristãos, orientados pelo Espírito Santo, escreveram textos na forma de evangelhos, livros de atos (história), epístolas e livros de profecia que, em quatro séculos, acabaram por ser discutidos, selecionados e reunidos naquilo que hoje é conhecido como o Novo Testamento.
A palavra “católico” é de origem grega e tem o sentido etimológico de “como todos, através do todo ou universal” e foi usada pela primeira vez num texto escrito por Inácio de Antioquia, no início do século II. O sentido era mostrar a uniformidade e o cuidado da pregação do evangelho com a pureza doutrinária, que deveria ser feita “como todos, através do todo”  ou de forma “universal” ao longo do Império. No entanto, ideias heréticas e mesmo pagãs foram sendo introduzidas nas igrejas durante os três séculos iniciais e passaram a ser discutidas e dogmatizadas a partir de Constantino, já que a Igreja começou a respirar ares de liberdade após tanta perseguição (fato positivo), mas passou a ter condições de organizar a Igreja na forma de reuniões de liderança e concílios (fato não tão positivo assim), já que isso levou à criação da hierarquia, do papado e do Catolicismo. Estando a vida de Constantino contida no início do século IV, no final do mesmo século, o imperador Teodósio decretou o Cristianismo Católico como religião oficial do que restava no Império Romano, já em franca decadência e divisão entre Oriente e Ocidente. A partir dessa legislação, a Igreja, perseguida por três séculos, passou a ser perseguidora de todos aqueles que não a aceitassem, fato decorrente inclusive do próprio texto legal promulgado.
Por que Reforma Protestante? Voltando-nos agora para o título dado ao tópico inicial nesta recontagem da história das origens batistas e resumindo bastante o assunto, chegamos ao século XV com uma Igreja Cristã muito comprometida com os acontecimentos que se desenrolaram, comprometendo em muitos aspectos a pureza doutrinária do evangelho apostólico inicial. Ligação entre os poderes eclesiástico e imperial, secularização acentuada, clero totalmente comprometido com o mundo no qual atuava e deveria ajudar a redimir pelo evangelho, além de outros pontos negativos que poderiam ser citados, fizeram com que vozes de cristãos piedosos fossem levantadas ao longo dos séculos, protestando contra os desvios e heresias criadas pela Igreja Católica. Pedro Valdo, John Wyclif, Jan Hus, Savonarola, Erasmo de Roterdã, além de outros, cada um em seu tempo e dentro de suas circunstâncias, foram líderes que denunciaram abusos da Igreja no seu desvio da sã doutrina. No entanto, nenhum deles conseguiu criar condições para que uma reforma abrangente acontecesse e uma nova forma de ser igreja passasse a existir. No século XVI, a partir de Martim Lutero, seu contemporâneo Ulrico Zuinglio, João Calvino e outros, na Alemanha e Suíça inicialmente, a Reforma Protestante teve início e ganhou projeção, atingindo o norte da Europa, região acima dos Alpes.
Outra região atingida pela Reforma Protestante foi a Inglaterra, nos tempos do Rei Henrique VIII. Não sendo um teólogo ou reformador no porte dos citados, mas mais preocupado com aspectos políticos e sucessórios no seu governo, o Rei buscava ter um filho varão, coisa que não conseguiu com sua primeira esposa, a espanhola Catarina de Aragão. Tendo buscado junto ao papa anulação do casamento para que pudesse legalmente se casar com Ana Bolena, o rei viu seus esforços frustrados principalmente por motivos políticos: na época, a Espanha era uma potência e seu rei era tio de Isabel, de cujo apoio o papa dependia grandemente. O Rei resolveu o problema do divórcio dentro da legislação do próprio reino inglês, anulando o casamento com o apoio do parlamento e legalizando seu segundo matrimônio. Para isso, rompeu com o papado romano, tirando do papa o comando da Igreja e criando a Igreja Anglicana, cujo cabeça passou a ser o próprio rei. A Igreja Anglicana, criada por Henrique VIII por motivos político-sucessórios, na sua história cheia de idas e vindas, foi a ala da Reforma Protestante que acabou por dar origem à denominação batista.
Os próximos capítulos discutirão a origem dos Batistas em três diferentes frentes, vistas por nós como independentes. Vamos mostrar na verdade três origens isoladas no tempo e no espaço, sem que aparentemente nenhuma delas tivesse tido influência no surgimento de cada uma. No entanto, há algo em comum que as une e precisa ser aqui apresentado neste final de capítulo.
Tendo o Anglicanismo sido uma ala diferenciada da Reforma Protestante, já que não surgiu pelo trabalho e ideias de um reformador com intenções teológicas iniciais, mas de um rei com motivação político-sucessória, conforme já se afirmou, sua história inicial foi feita de idas e vindas, de avanços e recuos, a partir dos sucessores de Henrique VIII. O próprio Rei iniciador da Igreja, segundo os historiadores, deixou com sua morte na Inglaterra uma igreja ainda católica na sua essência, apenas separada de Roma. Coube a Eduardo VI, o filho varão tão esperado por seu pai, dar sequência às reformas da Igreja Anglicana, tendo o rei agido através de seus regentes, já que era adolescente quando assumiu o trono. Os teólogos ingleses, bispos e arcebispos protestantes, tiveram meia dúzia de anos para estabelecerem mudanças na liturgia e nos dogmas eclesiásticos, mas o rei morreu ainda na adolescência, já que havia nascido de uma gestação difícil e um parto que custou a vida de sua mãe, Jane Seymor, tenho tido uma curta existência doentia. Sucedido no trono por Maria Tudor, filha de Catarina de Castela e neta de Fernando e Isabel de Espanha, os assim chamados “reis católicos” da época dos grandes descobrimentos marítimos. Bloody Mary (Maria Sanguinária), a rainha, anulou todos os atos de seu pai Henrique e de seu irmão Eduardo com relação à Igreja Anglicana, restabelecendo relacionamento com o papa em Roma. Isso provocou uma perseguição aos protestantes na Inglaterra, com cerca de trezentos líderes e cristãos mortos no país e cerca de oitocentos fugitivos, que foram para o continente europeu, principalmente Alemanha e Suíça. Na Europa protestante, os fugitivos entraram em contato com as ideias de Lutero e de Calvino. Com a morte da rainha Maria após curto reinado de cerca de seis anos, os fugitivos voltaram para a Inglaterra entusiasmados com o que haviam visto e experimentado como reforma protestante, desejosos de que o mesmo acontecesse na Igreja Anglicana. Era o surgimento de um grupo forte e expressivo dentro do Anglicanismo, os puritanos, que lutavam pela pureza individual, familiar, eclesiástica e nacional. No entanto, a Maria Tudor sucedeu Elizabeth I, filha de Ana Bolena, que deu sequência às reformas protestantes na igreja da Inglaterra. O reino se achava na época dividido entre católicos e protestantes e a rainha tinha intenções políticas de pacificação, tendo criado uma igreja de duas vias, uma a favor do catolicismo e outra protestante, política eclesiástica mantida até hoje. Isso frustrou o desejo puritano por maiores reformas, já que elas não aconteciam conforme desejado. Os puritanos não tinham intenção de se separarem da Igreja Anglicana, querendo reformas internas, mas a frustração acabou por gerar no movimento ações separatistas, quando grupos começaram a sair do anglicanismo e a formar congregações independentes. Puritanos, separatistas, batistas: esta é a ordem que explica nossas origens, assunto dos próximos capítulos.      

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ÍNDICE DOS FASCÍCULOS

Introdução 1)    16 séculos de Igreja Cristã 2)    Anglicanismo: a Igreja do Rei 3)    Puritanos, Separatistas, Batistas 4)    A “C...