“Assim,
durante um ano inteiro Barnabé e Saulo se reuniram com a igreja e ensinaram a
muitos. Em Antioquia, os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos.”
(Atos 11.26)
A
perseguição religiosa desarraigou o evangelho de Jersalém, levando-o para a
Judeia, Samaria e começando a chegar aos gentios, atingiu em Antioquia pessoas
que o aceitaram e assimilaram tão bem, que fizeram surgir no mundo a
denominação “cristãos”. Assim também, plantado inicialmente em Amsterdam, o
“embrião batista” foi integralmente transplantado para as terras inglesas,
surgindo em Spitalfields a primeira igreja que seria mais tarde chamada de
batista.
Thomas Helwys, John
Murton, William Pygott, e Thomas Seamer, além de outros seis irmãos ou irmãs, o
grupo menor que se separou do grupo maior em Amsterdam, foram os iniciadores da
primeira igreja batista histórica inglesa. Thomas Helwys (1550-1616), o líder,
de família abastada, talvez tivesse sido aquele que havia financiado a viagem
dos dissidentes para Amsterdam, tendo deixado esposa e filhos na Inglaterra.
Consta que a esposa de Thomas Helwys tenha enfrentado prisão nas Ilhas Britânicas,
como resultado da perseguição religiosa. Ainda na Holanda, Helwys acreditava
que eles tinham o dever de retornar à Inglaterra e testemunhar da fé batista,
apesar do sofrimento que isso traria. Os remanescentes do grupo inicial que
procurou refúgio em Amsterdam retornaram à Inglaterra em 1611.
Thomas Helwys e os
demais membros da sua congregação, na sua volta para Londres, foram residir em
Spitalfields, o local de um antigo hospital nas cercanias da cidade de Londres.
A área aproximada fica a leste da moderna Estação da Rua Liverpool, perto do
mercado da região. Há quem aponte Pinner's Hall como local das reuniões
iniciais, mas não se tem certeza a respeito do fato. Ali foi organizada a
primeira igreja batista inglesa, em 1612.
O nome Spitalfields
foi dado em função do hospital e de um convento, conhecidos como St. Mary's
Hospital, fundados em 1197. A maior parte das construções na área ocorreram no
meio do século XVII, depois do Grande Incêndio de Londres de 1666. O mercado de
Spitalfields foi estabelecido nos anos de 1680. Spitalfields está hoje no
coração do East End, uma área conhecida por constantes mudanças ao longo do
tempo.
Tendo chegado a
Spitalfields em 1611, os remanescentes batistas fundaram a primeira igreja
batista inglesa histórica numa área que, cerca de cinquenta anos após, seria em
parte destruída pelo grande incêndio. Quando isso ocorreu, a história mostra
que a congregação batista havia mudado para outra região da cidade, tendo já
frutificado, com a organização de outras congregações em Londres e arredores.
Não há, portanto, no local registro da passagem batista, diferentemente do
início em Amsterdam na padaria de Jan Munter. Se na Holanda foi possível a
colocação de uma placa comemorativa dos 400 anos nas proximidades de onde tudo
aconteceu, em Spitalfields isto seria muito mais difícil de acontecer.
Na época, Helwys
escreveu “Uma Declaração de Fé do Povo Inglês”, a primeira confissão de fé
batista em inglês, como resposta à “Curta Confissão” (Short Confession),
escrita por John Smyth em 1610. A declaração batista continha o batismo do
crente e a comunhão restrita apenas aos membros, além do sacrifício geral de
Cristo e da queda da graça. Diz a Declaração que a igreja é estabelecida por
confissão de fé e batismo, sendo autônoma, mas conectada com o todo; seus
membros poderiam seguir as ordenanças sem pastor e não deveria a congregação
ser muito grande. A autoridade e domínio da congregação se estenderiam apenas
àquela congregação e seus oficiais seriam anciãos (ou pastores) e diáconos. A participação
no governo do país, bem como seus juramentos, não eram proibidos aos membros da
igreja.
Pouco tempo depois de
escrito o livro “Uma curta declaração do Mistério da Iniquidade” (assunto do
próximo fascículo), Thomas Helwys enviou cópia ao rei James I, com uma carta
escrita a mão, ambas as fontes (livro e carta) preservadas pelo Museu
Britânico. O período que vai de 1613 até 1616 na vida de Helwys é incerto, mas,
a partir de 1614, não há mais menção do seu nome, sendo ele substituído na
liderança da igreja por John Murton. O historiador B. Evans, em seu trabalho
sobre os primeiros batistas ingleses, afirma a respeito de Helwys: “...
sobre sua morte, não sabemos nada.”
John Murton tornou-se
pastor da congregação depois da prisão de Helwys, tendo escrito o documento
conhecido como “Humilde Súplica” ao rei, em 1620. Também ele enfrentou a
prisão, pois declarava submeter-se ao rei em assuntos civis, mas não nos
espirituais, pois o sacerdócio dos crentes lhes dá competência para resolvê-los
diante de Deus. Morreu na prisão de Newgate.
Outros líderes
batistas também se pronunciaram a respeito do assunto. Leonard Busher, membro
leigo da congregação de Spitalsfield, escreveu em 1614 “Paz da Religião”,
uma petição por liberdade de consciência, texto no qual compara a religião
imposta pela força a uma violência espiritual. John Spilsbury, o primeiro
pastor entre os Batistas Particulares, que ainda apareceriam, mais tarde, escreveria:“Nenhuma
consciência deveria ser forçada em assuntos de religião, porque nenhum homem
pode apoiar outro em suas contas com Deus”.
Os registros dão nota
de que, por volta de 1624, havia em Londres cinco congregações batistas; já em
1647, o número havia crescido para 47.
Foi a igreja liderada
por Thomas Helwys, seguido de John Murton, a iniciadora da tradição batista no
mundo: um embrião inglês que se formou na Holanda e, transplantado para o solo
nativo de seus membros, cresceu, floresceu e deu frutos, resultando na
significativa presença batista no mundo atual. Conforme se viu, os pioneiros
batistas voltaram à Inglaterra ainda em um clima de opressão religiosa, de
imposição do anglicanismo como religião oficial do estado. Muitos líderes
batistas começaram a defender um tema que ainda era utópico, ou seja, a
liberdade religiosa que devia haver no país, bem como a liberdade de
consciência individual. “Uma Curta Declaração do Mistério da Iniquidade”, de
1612, escrito por Helwys, é um dos primeiros documentos batistas de fé,
publicado em uma Inglaterra onde não se cogitava ainda a liberdade religiosa. O
texto de Helwys será o nosso próximo assunto.
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