“Enquanto
esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a
cidade estava cheia de ídolos.” Atos 17:16
No dia 4 de
maio de 1813, Luther Rice, voltando de sua viagem para a Índia, desembarcou em
Salvador, na Bahia, onde ficou, a fim de “colher subsídios para estudos
e possível abertura do trabalho missionário batista no Brasil”, conforme
afirma Betty Antunes de Oliveira em seu livro “Centelha em Restolho Seco”.
Assim como
Paulo em Ateas, depois de ter passado dois meses na capital baiana, Rice
observou que “a superstição católica era inteiramente predominante,
criando uma situação de paganismo tão ruim quanto qualquer outra”. Portanto,
Luther Rice, congregacional que se tornou batista, deve ter sido o pioneiro em
nossa terra com uma visão de avaliação missionária.
Como era o Brasil no século XIX e quais foram os acontecimentos iniciais da
nossa história missionária denominacional? Luther Rice aqui esteve numa
época em que a corte portuguesa de D. João VI havia-se deslocado para cá,
fugindo de Napoleão Bonaparte e elevando o Brasil à condição de Reino
Unido, conforme registra nossa história. Pensando nos primórdios do
trabalho batista no Brasil, é preciso lembrar que o nosso país foi um país
fechado para o evangelho conforme pregado e vivido por evangélicos até o século
XIX. Duas tentativas aconteceram nos séculos anteriores, quando o nosso país
ainda era Colônia de Portugal, quais sejam a dos franceses no Rio de Janeiro,
com a expedição de Villegaignon, e a dos holandeses, com Maurício de Nassau no
Nordeste, ambas fracassadas e rechaçadas pelas forças portuguesas, conforme
relata a nossa história. A Igreja Católica imperava no campo religioso e
impedia qualquer aproximação de outros grupos.
Com a abertura
dos portos brasileiros por D. João VI, a partir de 1808, e com a independência
de 1822, tudo começou a mudar, inclusive por causa de pressões externas,
principalmente da Inglaterra. Assim sendo, ainda na primeira metade do século
XIX, houve autorização para a abertura de casas de adoração para
os estrangeiros, conforme nos informa o historiador Earle Cairns:
“Uma
das cláusulas do contrato comercial, assinado com a Inglaterra em 1810, foi que
Portugal permitiria a construção de casas de adoração para os estrangeiros,
contanto que não tivessem a aparência de igrejas. O uso da cruz na parte
exterior dos prédios foi expressamente proibido. Um ponto interessante a ser
observado na história é que muitos evangélicos no Brasil continuam
inflexivelmente opostos ao uso da cruz em seus templos, julgando ser contra os
seus princípios. Na verdade, porém, a proibição tem origem nas provisões desse
tratado, não tendo absolutamente nada que ver com as tradições protestantes.”
Com isso, mais
o direito de liberdade de culto concedido através da Constituição de 1823, os
protestantes começaram a investir no Brasil, no início timidamente. Em 1819 se
estabeleceram os anglicanos, os metodistas em 1836, mas foram ainda investidas
pouco significativas, até que, em 1855, chegou Robert Reid Kalley ao Rio de
Janeiro, iniciando o trabalho de Igreja Congregacional, vindo depois os
presbiterianos em 1859 com Simonton. A primeira data importante para o início
do trabalho batista coincide com a da chegada dos presbiterianos.
No seu livro que resgata a “via da imigração” das nossas origens no Brasil,
Betty Antunes aponta alguns dados em ordem cronológica. Em meados de 1850,
esteve no Rio de Janeiro um norte-americano chamado Theophilus, pseudônimo
provavelmente do Dr. William Theophilus Brantly Júnior, ministro do evangelho e
educador, sondando a possibilidade de estabelecer-se aqui um campo missionário
no Brasil”. O trecho a seguir é de sua autoria:
“Deixem que uma Igreja batista seja aqui organizada, e as fontes que alegram a
cidade de Deus logo fluirão. (...) Com todas as suas imperfeições não está
longe o dia quando o Brasil se tornará uma porção invejável no Novo Mundo. O
interior com as suas surpresas espera pelo dia de alegria, o qual nunca chegará
a menos que o nosso povo, com o Espírito de Cristo, dê seus bens para
enviar-lhe um missionário. Podemos sustentar pelo menos vinte missionários
naquele vasto império. O deserto e os lugares secos se alegrarão disto e o ermo
exultará e florescerá como a rosa (Is 35:1). Possa Deus comover-nos
completamente para o nosso evidente dever. Amém. Theophilus”
Em maio de
1857, a Comissão de Novos Campos da Convenção Batista do Sul dos EUA apresentou
o relatório “sobre a possibilidade de abertura do trabalho missionário
no Brasil, mesmo com insuficiência de recursos financeiros”. No
dia 09/11/1859, Thomas Jefferson Bowen e sua esposa Lurenna foram nomeados como
os primeiros missionários dos batistas dos EUA para o Brasil, tendo o casal
chegado ao Rio em 21/05/1860.
Os dois haviam
sido missionários batistas na África Ocidental, onde Bowen aprendera o dialeto
ioruba. Instalaram-se no Rio e deram início ao trabalho, que pretendia de
início implantar uma igreja de fala inglesa e outra para os escravos.
Comunicando-se com os escravos em sua língua e distribuindo Bíblias, Bowen
gerou desconfianças por parte do povo e das autoridades. Sobre sua passagem
pelo Brasil, o "Diário do Rio de Janeiro" do dia 26 de maio de 1860
dá esta curiosa notícia:
"Dizem-nos
que um pastor americano, ultimamente chegado de Richmond, traz intenção de
converter as almas desgarradas às doutrinas das seitas anabatistas, que
professa. Começou já a exercer a sua missão pregando aos pretos-minas, cuja
língua fala perfeitamente, ao que nos informam. Espíritos supersticiosos e
timoratos, esses pobres pretos começam a tributar uma profunda veneração pelo
missionário. Tal pregação pode desviar diversos prosélitos entre as
inteligências broncas e incultas, estabelecendo, no país, uma seita cuja manifestação
é inconvenientíssima. À autoridade compete a verificação deste fato."
Realmente,
parece que a autoridade agiu e essa primeira missão batista foi interrompida no
mesmo ano, com a volta dos missionários para os Estados Unidos. O motivo
oficial do término da missão foi o estado de saúde de Thomas, coisa que já
havia interrompido sua estada na África; no entanto, há indícios de que o
término tenha sido motivado pela interação com os escravos e a comunicação com
eles em sua língua, estando o Brasil ainda em pleno regime de escravidão.
Outros batistas norte-americanos aqui chegaram posteriormente e outras cartas
foram trocadas, principalmente pelos estabelecidos em Santa Bárbara, no Estado
de São Paulo, assunto a ser debatido no próximo segmento.
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