Então disse Deus: "Não se aproxime. Tire as
sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é terra santa". (Êxodo 4: 5)
O nome “leto”
indica habitante da Letônia e vem de “lett”, que significa “cavar
terra”, uma alcunha que era dada aos primitivos habitantes do país pelos
povos vizinhos no passado. Segundo o pastor Osvaldo Ronis no seu livro “Uma
Epopéia de Fé: A história dos batistas letos no Brasil” ,
publicado em 1974, a Letônia foi um país que teve uma história conturbada desde
seu início, com invasões de povos vizinhos, principalmente russos e alemães,
fato que levou parte da população a procurar melhores formas de vida em outros
países, entre eles o Brasil. Este texto apenas tenta resumir os fatos mais
importantes sobre a emigração leta para o Brasil.
A Lei de 1850,
que proibia o tráfico de escravos no nosso país, provocou a vinda
de imigrantes, para suprimento de mão-de-obra para a agricultura. Assim
sendo, a partir de 1818 chegaram suíços em Nova Friburgo, RJ, seguidos de alemães,
norte-americanos, italianos, eslavos (poloneses, ucranianos, outros); a partir
de 1880, holandeses e “russos” (nome comum dado na época a húngaros, lituanos eletos)
começaram a vir para dar sequência aos trabalhos da agricultura, pecuária e
demais serviços que eram desempenhados pelos escravos. A epopéia dos letos
começa em Rio Novo, no estado de Santa Catarina, em 1890, com a chegada de 25
famílias que ali estabeleceram a primeira colônia leta. Após a primeira, dez
outras levas chegaram, principalmente no estado de Santa Catarina (nove delas)
e uma no Rio Grande do Sul. A causa principal da imigração apontada por Ronis
foi a ocorrência de “opressões político-religiosas e condições
sócio-econômicas precárias”na Letônia.
Como as
distâncias, o clima e as condições de vida nem sempre eram favoráveis no sul,
os letos começaram a olhar com carinho para as oportunidades oferecidas pelas
terras paulistas. Foi assim que surgiu a colônia de Nova Odessa, a 11ª Colônia
Leta no Brasil, em 1906. A partir de Nova Odessa, começa a surgir a figura de
Júlio Malves, segundo o pastor Ronis, “um dos elementos humanos a
que mais deve a imigração leta no Brasil depois de 1905”. A história de
vida de Malves começou no sul, em 1891, na colônia de Rio Novo, aonde chegou
com nove anos de idade. Uma situação de saúde que o forçou a ficar acamado por
um ano e meio foi o motivo que o levou a buscar novo lugar e clima para viver.
A timidez pessoal de Malves não impediu sua liderança diante do seu povo,
partindo de Nova Odessa, passando por Varpa e chegando a Rincon Del Tigre, na
Bolívia.
Após Nova
Odessa, os letos ainda criaram colônias no Estado de São Paulo em
quatro outros lugares, até
chegarem à 16ª Colônia Leta no Brasil, a de Varpa, em 1922. Foi Varpa que gerou
o trabalho de Palma, cujo acervo foi doado à Convenção Batista Brasileira em
1936. A última incursão dos letos relatadas na obra foi a de “Mision Evangelica
Bautista Leta” de Rincon del Tigre, que surgiu com um grupo de letos de Palma
que, em 1944, deixou a colônia e fundou outra comunidade na fronteira do Mato
Grosso com a Bolívia, às margens do lago Gaíba, indo depois para terras
bolivianas. Até nesse último ato nota-se a liderança de Júlio Malves, pois a
aquisição inicial das terras naquela região foi iniciativa dele.
A figura de Júlio Malves representa todos os integrantes iniciais e
descendentes de uma raça de “cavadores de terra” que, em busca
de melhores condições de vida, vieram ao nosso país e trouxeram um alento novo
aos trabalhos batistas já existentes. Não foram aceitos com facilidade pelos
brasileiros e pela própria Convenção de início, mas conseguiram cativar a todos
com suas características marcantes de pessoas e de povo. Impressiona-nos muito
a coragem, o desprendimento, a vontade de viver e de compartilhar o evangelho
de Cristo demonstrada pelos letos. Chama-nos a atenção a preocupação em
organizar tudo nas novas colônias, desde a vida material até o relacionamento
com Deus; uma das primeiras preocupações dos letos era com o início de
congregações, que evoluíram em muitos lugares para igrejas, nas quais a
preocupação com as organizações internas de homens, mulheres, jovens e crianças
era marcante.
Corais sempre
fizeram parte da vida dos irmãos batistas, desde a Letônia, e na nova situação
de vida eles sempre se faziam presentes. É tocante imaginarem-se levas e levas
de letos sendo transportados por trem da capital do estado de São Paulo para a
estação de Sapezal, por exemplo (a mais próxima das terras que seriam usadas
para a construção de Varpa), e cantando em quatro vozes no seu idioma hinos em
louvor a Deus pela abertura daquela oportunidade de vida pela qual tantos
haviam sonhado. Foi significativo ler-se no livro a chegada do autor, o pequeno
Ronis, com cerca de dez anos, a São Paulo, integrando a primeira leva para
Varpa, bem como a primeira refeição feita pelo grupo de letos no refeitório da Hospedaria de Imigrantes de São Paulo, assim narrada de memória
no livro mencionado:
"Quando a primeira grande caravana, de 453 batistas letos,
deu entrada no enorme salão do refeitório da Hospedaria de Imigrantes de São
Paulo para a primeira refeição que lhes seria servida, ninguém tocou nos
alimentos que lhes foram postos nas mesas. Os copeiros tentavam comunicar, por
meio de gestos, que podiam servir-se, entretanto, os imigrantes abanavam a
cabeça em sinal negativo. Os servidores não entendiam a atitude. Dentro de
pouco toda a equipe do refeitório e da cozinha e de controle estava nas portas
para ver o que ia acontecer. Num dado momento, depois que todos já haviam se
assentado às mesas, estabeleceu-se o silêncio e uma voz de barítono, surgida de
uma das extremidades do salão, iniciou o cântico de uma das mais apreciadas
estrofes do repertório do canto congregacional, que todos passaram a acompanhar
a quatro vozes: “Svets ir! Svets ir! Svets ir Tas Kungs! Un debess un zeme; un
debess un zeme ir pilnas vina godibas!” (Santo é! Santo é! Santo é o Senhor! E
os céus e a terra; e os céus e a terra estão cheios da sua glória!). Seguiu-se
uma fervorosa oração, em ação de graças, a qual todos confirmaram com um AMÉM
que jamais fora dito antes naquele lugar, passando-se então a servir-se do
alimento. Um dos funcionários, que a tudo assistia admirado, ao deixar o
refeitório naquele momento teve a seguinte exclamação, captada por um dos
irmãos de Nova Odessa que entendia o português: “Esta é uma gente santa!” Tal
prática era comum para esses irmãos, como o é até hoje por ocasião de grandes
refeições em conjunto ou ágapes, mas para os servidores da Hospedaria de
Imigrantes em São Paulo foi algo nunca visto. Foi, portanto, o primeiro
testemunho dado por esses crentes em terras brasileiras aos primeiros
brasileiros com que depararam. Não foi testemunho em idioma que fosse a estes
compreensível, mas uma atitude de adoração reverente que parece ter comunicado
algo superior, mesmo sem palavras inteligíveis."
Encerrando este
breve relato histórico, citamos as palavras extraídas da obra já
mencionada: “O Dr. W. C. Taylor, em 1941, reconheceu três grandes
forças na formação histórica dos batistas no Brasil: Richmond, A
Convenção Batista Brasileira e a imigração leta”. O grande líder
norte-americano do passado enalteceu os esforços iniciais do seu próprio povo
no envio dos missionários, dos brasileiros na organização do trabalho, bem como
da contribuição do povo leto em sua saga, contribuindo para a formação
histórica dos batistas no Brasil. Recomendamos a leitura do próprio livro,
escrito pelo pastor Osvaldo Ronis.
Não foram
somente os letos, mas outros grupos estrangeiros também para cá vieram em busca
de melhores condições de vida. Este será o assunto focalizado no próximo
segmento.
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